objetos allados
Cláudia Ahimsa
“o luto é como um jet lag, mas que não passa antes de dois anos.
no primeiro ano, com os mais de dez sintomas, eu pouco saía do quarto. às vezes, atraída por um amarelo e outro (o amarelo foi meu cão-guia quando cada olho só enxergava com nitidez a própria
lágrima), eu ia e movia peças de lugar formando pares híbridos, logicamente inconformada com a nova realidade ímpar –– singullar –– disse de mim para comigo. e juntava cadeira com cocar, louva-a-deus de taxidermia com cebolas pintadas.
assim, a partir do que os objetos sugeriam e do que a nano câmera voadora me instigava a escrever, assemblar e fotografar, fui de natureza-morta a objetos allados. (allados: com os dois eles dele.)”
É o que revela a a autora Cláudia Ahimsa em nota pós-escrita nos Objetos Allados. Este projeto contém poemas e fotografias que revê carinhosamente o período de luto da poeta. Guardados preciosamente em uma caixa: páginas soltas, poemas numerados para não embaralhar, numa caixinha entintada de amarelo. Leve assim.
“tudo que tive e tenho em comum com gullar está aqui: a poesia que nos uniu, a arte que nos expande para além da obrigação de morrer.
ele sabia, ao me dedicar cadernos de desenhos, livros, poemas, joias
de papel, que mais dia menos dia, tudo seria posto para voar por aqui. mas van gogh, em 1889, nem sob delírio imaginou seu campo de flores amarelas transformado em heliponto para um mini drone amarelo.”
imagem: still life com joia de papel sobre ramo de amendoeira em flor no copo, v gogh, broche de papel, colagem-relebo, 3x3cm, f.g.